Brasil está na mesma crise que a América do Sul?

O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Argentina, Mauricio Macri, para almoço no Palácio do Itamaraty.

Com a turbulência política na América do Sul, André Galhardo avalia o quanto o Brasil está envolvido na mesma conjuntura e quais as diferenças entre nós e os nossos vizinhos

Primeiro Peru, depois Equador, Chile, Argentina, Bolívia…um a um, os países da América do Sul foram mostrando que a insatisfação popular vai muito além das questões puramente ideológicas. O descontentamento global está muito mais ligado ao processo de degradação social, que foi visto após a crise de 2008.

A prova de que o descontentamento político transcende a questão da disputa política entre membros de direita esquerda vem do Chile, do Peru e da Europa de modo geral. Resta saber se estamos preparados para o que virá depois disso.

A insatisfação na América do Sul atinge todos os governos

É evidente que na América do Sul os governos de esquerda sofreram importantes reveses, no entanto, ao observar o Chile, cujo presidente, Sebastián Piñera, é considerado como de direita, percebe-se que as insatisfações não estão represadas em governos que se declaram de esquerda.

No mesmo momento em que o agora ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, renunciava ao cargo máximo do poder executivo da Bolívia, Sebastián Piñera prometia enterrar a constituição herdada do governo Pinochet após grandes protestos da população cujo estopim foi o aumento das passagens do metrô.

Evidentemente que são casos que não se relacionam. Uma parcela importante do povo boliviano buscava aplicar um contra-peso ao poder concedido a Evo Morales, enquanto que no Chile a luta da população expunha as entranhas de um sistema social muito menor que o necessário concedido aos cidadãos chilenos.

O povo latino-americano anseia por uma gestão mais moderna por parte do Estado.

Se a crise na América do Sul estivesse únicamente ligada ao descontentamento com os governos de esquerda não veríamos as decepções das populações do Equador e da Argentina.

No Equador, o presidente Lenín Moreno prometeu diversas medidas de austeridade fiscal, isso inclui corte nos gastos com programas sociais. A suspensão dos subsídios aos combustíveis pode ter sido o estopim para grande manifestações que acabaram por obrigar o governo a mudar suas instalações da capital Quito para Guayaquil.

Na Argentina, um governo autodeclarado de direita, sofreu um importante revés ainda no primeiro turno das eleições majoritárias, ocorridas em outubro último.

O presidente Maurício Macri perdeu a disputa para Alberto Fernández numa clara guinada do posicionamento da população.

Importante dizer que a guinada na Argentina não foi uma guinada à esquerda, mas uma guinada pela mudança. Maurício Macri entregará o país economicamente destruído ao seus sucessores. Mais de 50% de inflação anual, com taxa básica de juros que superam os 70% e uma maxidesvalorização cambial que é difícil de ver nos dias atuais.

O que há de errado?

Note, caro leitor, que o estopim de imensas manifestações pode ser atribuído a aumento nas passagens de transporte público ou no preço de combustíveis – ainda que o preço internacional esteja em queda – ou, de modo mais geral, na diminuição do poder de compra da população.

Agora será possível entender a inferência à crise de 2008. Desde o ‘fim’ da crise, o mundo não encontrou mais o desempenho visto em meados da década passada. O que pôde ser visto até aqui são esforços de bancos centrais pela manutenção das taxas de juros em patamares nunca antes vistos.

Ocorre que essas montanhas de dinheiro têm sido incapazes de gerar riqueza de forma a atender a todos os estratos sociais, e isso tem ficado cada vez mais evidente.

Exige-se uma política monetária ultra-expansionista ao mesmo tempo em que se coloca como prioridade máxima uma política fiscal restritiva, ou seja, cortes importantes de gastos do governo.

Ninguém quer um estado ineficiente como tem sido o estado brasileiro nos últimos anos, muita arrecadação, sobretudo sobre os mais pobres, para um retorno anêmico. Mas apostar em menor participação do Estado em uma momento em que vemos de forma clara, a pauperização da população sul americana, pode ser arriscado demais.

O Brasil pode estar no caminho certo no que diz respeito às contas públicas e isso pode ser um oásis para o investir internacional.

O Brasil ainda é uma boa opção na América do Sul?

Sim, cada vez mais! Como já foi em outras oportunidades. Não é pela decepção no último leilão dos blocos de exploração do pré-sal que o brasileiro deve se basear, nem, tampouco, pelo risco país que vem caindo sistematicamente ou ainda pelo Dólar que não parou de subir nos últimos dias. E pasmem, a soltura do Lula também não trará os desequilíbrios esperados.

O Brasil é uma boa aposta de futuro, como sempre foi. O investidor estrangeiro acredita que um mercado consumidor de mais de 210 milhões de habitantes deve ser promissor daqui a alguns meses.

Acontece que, se uma crise na Turquia ou na Rússia foram capazes de abalar o mercado financeiro de países subdesenvolvidos como o Brasil, nós não estaremos imunes à deterioração política dos nossos vizinhos. Além disso o brasileiro cansou de ser o povo do futuro. Se o poder de compra diminuir, como tem diminuído nas vagas formais de emprego, ou se a massa salarial sofrer algum solavanco negativo, o projeto de futuro irá por água abaixo.

Perspectivas

As crises dos nossos vizinhos têm o potencial de trazer grande volatilidade para o Brasil, seja no mercado financeiro ou no mercado de câmbio.

A despeito da importante agenda de reformas, por enquanto são só conjecturas de quanto o Brasil pode ser melhor. Políticas fiscais restritivas podem dar algum alento ao mercado de câmbio e financeiro no curto prazo, mas se ela for prejudicial com o poder de compra dos mais pobres isso reverbera até o mais importante dos empresários no médio e longo prazo.

O risco de uma crise internacional diminuiu, mas um voo da galinha para o Brasil permanece vivo.

Veremos!

André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.

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