Os intermináveis estímulos americanos

Visão Geral (140)

O 46º presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, dá continuidade ao processo de estímulos fiscais da economia norte-americana e deve aprovar mais um pacote de recursos que visam dar ímpeto para a retomada da atividade econômica americana.

O pacote que deve ser anunciado nesta quarta-feira (31) será o quinto aprovado no período da pandemia e, caso seja aceito nestas cifras somará US$ 8,3 trilhões de dólares, o que equivale a cerca de 40% do PIB americano ou cerca de 46% mais que todo o PIB da América Latina em 2019.

Diante de mais um pacote de estímulo surgem algumas perguntas: qual o limite de atuação do Estado americano? Quais os impactos sobre os indicadores de inflação global? E mais importante, como isso afeta direta e indiretamente o Brasil e os demais países em desenvolvimento?

Acompanhe nossa análise a seguir.

O que se pretende? (303)

Os quatro pacotes de estímulos anteriores ao que se pretende apresentar ao parlamento essa semana, estavam diretamente ligados à deterioração da condição econômica e social da maioria dos americanos com o agravamento da pandemia. Ao todo foram US$ 5,3 bilhões cuja finalidade principal era atenuar os efeitos da pandemia e dos necessários instrumentos de distanciamento social.

Este novo pacote, pelo que se sabe até aqui, estará mais voltado para a modernização e aumento da estrutura do país, ou seja, serão cerca de US$ 3 trilhões com que se pretende diminuir o atraso estrutural dos Estados Unidos quando comparado a outros países desenvolvidos e com a China.

Apenas a título de curiosidade, os Estados Unidos não estão entre as dez maiores malhas de trens de alta velocidade no mundo. Pior que isso, se a ideia é aumentar e melhorar a estrutura aos cidadãos americanos e permitir que com isso os Estados Unidos diminua a sua diferença em relação à China, os esforços terão que ser muito maiores. De 2008 a 2020 a China construiu cerca de 35 mil km de linhas para trens de alta velocidade e com isso se tornou o país com a maior malha do mundo, muito à frente do segundo colocado, Espanha, que conta com o equivalente a menos de 10% da malha chinesa.

Bem, como eu disse, os trens de alta velocidade são apenas um exemplo da expansão chinesa e da crescente necessidade que os Estados Unidos têm de criar um ambiente de expansão que permita acompanhar o crescimento chinês.

Em outras palavras, não dá para fazer a América grande de novo se as condições de produção, escoamento e conexão, por exemplo, são muito melhores nos países do sudeste asiático. Biden sabe bem disso e o novo pacote fiscal, se aprovado, é um importante passo nessa direção.

Quanto deve custar? E a dívida? (338)

Você já viu mais acima neste texto que o novo pacote custará cerca de US$ 3 trilhões, o que equivale a mais de dois PIBs brasileiros em dólares americanos desta semana.

Apesar de estarmos falando da economia americana, trata-se de um grande pacote de estímulos para eles também e diante de tamanho volume de recursos já começam a ventilar os problemas que isso pode trazer para o mundo, principalmente em relação ao aumento do nível de preços por lá.

Antes disso, vamos falar do impacto deste pacote na dívida dos Estados Unidos. Pouco antes de a pandemia alcançar os norte-americanos, o déficit fiscal já estava bastante elevado, na casa de US$1 trilhão. Esse aumento dos déficits primários foram decorrentes de diversos movimentos, sobretudo pela ampla reforma fiscal aplicada pelo ex-presidente Donald Trump, que diminuiu a carga tributária no intuito de estimular a atividade econômica.

Em 2020, já no bojo da pandemia, o déficit primário saltou para cerca de US$ 3,3 trilhões. O maior da história dos Estados Unidos. De modo bastante simples é fácil imaginar os impactos dos pacotes de estímulo fiscal sobre a dívida soberana americana. Como o país não consegue, há bastante tempo, criar resultados fiscais positivos, ou seja, gastar menos do que arrecada, os estímulos fiscais são todos financiados via aumento de endividamento do Estado.

Segundo dados do Congressional Budget Office, a dívida pública dos Estados Unidos deve alcançar 102% do PIB em 2021 e daqui a dez anos chegará ao maior patamar da história, a 107% do PIB. Em 2051 a dívida americana em proporção do PIB será maior que 200%.

A depender do nível de retomada da atividade econômica e do ímpeto democrata sobre o aumento do endividamento público, em 2021 os Estados Unidos devem registrar o segundo maior déficit primário da história americana, atrás apenas de 2020 e do resultado registrado em 1945 no âmbito da segunda guerra mundial.

Se a rapidez na vacinação tem trazido a esperança de que a pandemia fique apenas como registro histórico, seus efeitos econômicos serão sentidos por muitas décadas.

A exposição dos países em desenvolvimento (380)

Neste momento, o principal risco aos países em desenvolvimento é de uma mudança inesperada na política monetária do Federal Reserve.

O presidente da instituição, Jerome Powell, já disse dezenas de vezes que a política monetária só deve ser mais restritiva a partir do segundo semestre de 2023. No ano passado, o banco central americano disse inclusive que mudaria a forma do regime de meta de inflação e avisou que seria, em alguma medida, condescendente com uma inflação acima da meta no curto prazo.

No entanto, é importante ressaltar que estamos no meio de uma pandemia e que ainda sentiremos todos os impactos dos pacotes de estímulo que somam cerca de 40% do PIB dos Estados Unidos.

Diante do aumento do balanço de riscos algumas coisas pesam em desfavor das economias em desenvolvimento. Um possível aumento da inflação dos Estados Unidos que como consequência obrigue a autoridade monetária a abreviar o período da política monetária ultra expansionista pode trazer os seguintes problemas ao Brasil:

  • Fuga de capitais, que buscariam maior rendimento e segurança nos títulos públicos americanos;
  • Necessidade de taxas de juros mais elevadas no Brasil para suavizar o movimento de saída de investimento estrangeiro do país;
  • Deterioração das condições fiscais de curto prazo;
  • Diminuição do nível de reservas internacionais;
  • Desvalorização cambial crônica e prolongada;
  • Elevação da inflação para patamares mais elevados que os atuais.

Esses são apenas alguns dos reflexos de uma mudança repentina na política econômica dos Estados Unidos.

É importante ressaltar que a crise do subprime, em 2008, obrigou o banco central americano a “despejar” muitos trilhões de dólares no sistema econômico, a fim de manter em funcionamento a economia e o sistema bancário americanos. Naquele momento, de ampla atuação do Estado sobre a economia, surgiram diversas teorias sobre o avanço da inflação e de uma possível catástrofe econômica decorrente da política monetária em uso. Nenhuma delas se concretizou.

Desta vez são esforços fiscais, dinheiro injetado diretamente na economia. Ainda assim, os riscos são todos potenciais, os esforços fiscais americanos não significam uma sentença de morte às economias emergentes. No entanto, mudanças repentinas e importantes devem estar no radar das autoridades monetárias e governos, ademais, a simples sinalização de que uma alteração repentina acontecerá pode trazer sérios problemas a países como o Brasil.

Estamos em stand by..

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