A retomada da economia brasileira

André Galhardo - De Olho no Câmbio

Visão Geral

Em função da profundidade da crise que estamos vivendo, virou lugar comum a discussão sobre a retomada da economia brasileira.

Alguns analistas falam em uma retomada mais forte decorrente das próprias características desta crise, ou seja, já que a queda será aguda, a retomada também pode ser rápida e resolutiva.

Outros apontam os problemas estruturais da brasileiros como impedimento a uma retomada mais robusta em mais breve.

Afinal, a retomada da economia brasileira será rápida? Robusta? Qual o impacto disso nas nossas vidas? E no câmbio?

Acompanhe nossa análise a seguir.

As outras retomadas: a crise das pontocom

Nós poderíamos falar da rápida retomada da economia brasileira na crise de 1929, quando o então presidente Getúlio Vargas lançou mão de políticas públicas para salvar o setor cafeeiro. 

Mas não cavaremos tão fundo. Vamos falar de tempos mais recentes.

Entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, o mundo viveu uma importante crise econômica, decorrente da frustração com o desempenho das empresas de tecnologia e comunicação.

 O evento ficou conhecido como a bolha das pontocom.

Apesar de ter entrado em recessão técnica nos segundo e terceiro trimestres de 1999, o país fechou aquele ano com 0,5% de crescimento.

Já no ano 2000 o crescimento foi de 4,4%, afastando de vez o problema relacionado à volatilidade produzida pela crise econômica internacional.

É bem verdade que em 2001, o crescimento desceu para 1,4% em decorrência da nossa incapacidade de se manter em crescimento robusto por muito tempo, sem criar gargalos na estrutura produtiva do país. 

Naquela época, o risco de um apagão energético impediu que o país avançasse ainda mais após o resfriamento ocasionado pela crise das pontocom.

As outras retomadas: a crise do subprime

Em 2008, o mundo enfrentou outra crise aguda, profunda a ponto de criar comparações com a grande crise econômico-financeira de 1929.

O evento ficou conhecido como a crise do subprime e teve como epicentro os Estados Unidos.

De forma muito resumida, o sistema financeiro norte americano entrou em colapso após os bancos espalhados, mundialmente, títulos privados “podres”, ou seja, venderam produtos financeiros que não seriam honrados no futuro.

O processo de deterioração do sistema financeiro e da economia real foi tão forte que colocou de joelhos as principais economias desenvolvidas.

Até o Brasil e outras nações que estavam relativamente menos expostas ao risco acabaram apresentando uma performance muito mais branda da economia.

Em 2009, em decorrência da crise o PIB brasileiro encolheu 0,1%, interrompendo um ciclo de crescimento trimestral médio anualizado de 6% em 2008.

A retomada da crise do subprime foi surpreendente, robusta e rápida. Em 2010 o Brasil apresentou a maior taxa de crescimento anual deste a década de 1970, 7,5% e deixou o risco de mergulhar em um processo de deterioração da economia para trás.

As outras retomadas: a crise político-institucional brasileira

Não entrarei em detalhes porque o assunto já foi ampla e exaustivamente discutido nos últimos anos, mas a crise econômica brasileira de 2015-2016 deixou profundas cicatrizes. 

Há quem diga que, a despeito dos PIBs positivos de 2017 em diante, o problema ainda não foi integralmente resolvido.

Em 2014 o clima de incerteza envolvendo as eleições presidenciais e as pedaladas fiscais foram suficientes para trazer um crescimento de apenas 0,5%, o mais baixo desde a crise do subprime.

Em 2015 e 2016, o processo de impeachment e outros desdobramentos políticos e econômicos brasileiros levaram o PIB nacional para quedas de 3,5% e 3,3% respectivamente.

Em 2017, 2018 e 2019, nosso desempenho na economia foi muito melhor, mas os crescimentos foram decepcionantes, 1,3%, 1,3% e 1,1% respectivamente.

Quando digo que há quem diga que o problema 2015-2016 ainda não foi totalmente dissipado, faço referência ao mau comportamento da economia mesmo com os crescimentos registrado nos últimos três anos.

É importante lembrar que para que fosse possível chegar aos parcos crescimentos dos últimos anos o governo teve que lançar mão de pesadas políticas de incentivo do consumo das famílias.

A liberação do FGTS e de abono salarial, além da política de antecipação de décimo terceiro de aposentados e beneficiários de programas sociais, foi fundamental para que se chegasse a algum lugar, ou seja, a nossa retomada foi conduzida por eventos pontuais extraordinários. 

Prognóstico

Bem, então como sairemos deste crise tão aguda que estamos vivendo? Será uma retomada rápida como foi quando saímos de crise de 2008 ou será mais parecida com a retomada vista depois da nossa crise de 2015-2016?

Alguns indicadores apontam que o pior da crise ocasionada pela propagação da covid-19 pode ter ficado para trás. Aqui não vou conjecturar sobre uma segunda onda ou outros impactos secundários. O que temos até aqui é que aparentemente o pior da crise ficou reservado nos meses de abril e maio.

Segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), o fluxo de caminhões nas estradas pedagiadas aumentou 9,7% no mês de junho quando comparado com o mês de maio. O volume de veículos leves cresceu  20,8% nos mesmos termos.

Segundo o IBGE, o setor industrial e o comércio varejista apresentaram avanço de 7% e 13,9%, respectivamente na leitura de maio sobre abril.

Outros indicadores apontam alguma retomada nos meses de junho como, por exemplo, a emissão de nota fiscal eletrônica, o consumo aparente de cimento e de combustíveis.

O problema é que a despeito da melhora na margem, quando pegamos todos esses indicadores e comparamos com igual mês do ano passado, percebemos que ainda estamos muito abaixo dos patamares vistos antes da pandemia.

O pior de tudo é que antes da pandemia nós já estávamos muito abaixo dos patamares vistos antes da crise brasileira de 2015-2016.

De modo geral, nossa estrutura, a massa salarial,  a situação fiscal e política, além da situação externa menos favorável que em outros momentos, não devem permitir uma retomada sustentada. 

Assim, mesmo que encontremos pelo caminho alguns solavancos de crescimento, é provável, pelas condições estruturais do país, que sejam sempre voos de galinha.

E o impacto sobre o câmbio, afinal?

Em 2010, uma retomada robusta fez com que o Brasil entrasse de vez no radar dos investidores estrangeiros. 

A entrada de dólares foi tão robusta que o ex-ministro da Fazenda estava às voltas com mecanismos de controle de entrada destes recurso no país, ademais, uma taxa de câmbio a R$ 1,50 estava se mostrando prejudicial para a indústria nacional.

Neste contexto de crise econômica e política de grande profundidade, é possível que o Brasil se consolide como um terreno bastante inóspito ao investidor.

Essa retomada lenta e bastante atribulada pode reduzir a o ritmo (que já vinha caindo) de dólares no Brasil e tornar a taxa de câmbio estruturalmente desvalorizada nos próximos trimestres.

Ainda que estejamos falando de uma taxa abaixo dos cinco reais, podemos também assumir que o novos normal esteja bem acima dos R$ 4,00 por dólar.

Veremos.

Related posts

Mercado brasileiro aguarda dados sobre emprego

IGP-M avança 0,31% em abril

De Olho no Câmbio #274: PIB menor e inflação maior nos EUA dificultam o trabalho do Fed