Confiança: é tudo que temos

Visão Geral (124)

A Fundação Getúlio Vargas divulgou nesta segunda-feira (26) que o índice de confiança do consumidor alcançou o nível mais elevado desde outubro de 2020.

Apesar do indicador ainda estar longe da linha que denota otimismo do consumidor, trata-se de uma importante retomada da percepção econômica dos agentes.

A grande questão, é que nós já vimos este filme antes. Os índices de confiança aumentam, subsidiados, principalmente, por um eventual otimismo em relação ao futuro e, no fim, as boas condições esperadas por empresários e consumidores não se concretizam, tornando este importante indicador em uma peça de ficção.

O que podemos esperar do aumento da confiança do consumidor e o que isso tem a ver com a cotação da nossa moeda?

Acompanhe nossa análise a seguir.

O que mede o índice de confiança (160)

Os índices de confiança são chamados também de indicadores antecedentes porque podem ser um poderoso instrumento para estimar o comportamento da economia nos meses subsequentes às suas publicações.

A confiança do consumidor, por exemplo, é essencial para tentarmos traçar o comportamento da economia pelo lado da demanda. 

O aumento da confiança dos consumidores pode indicar volumes mais relevantes de desembolsos por parte da população e um consequente desempenho mais robusto do comércio varejista, por exemplo.

Os indicadores de confiança também podem nos ajudar a estimar o lado da oferta da economia. A confiança dos empresários, comércio, serviços, construção e indústria, por exemplo, podem nos indicar aumento dos investimentos e da produção, que por sua vez podem trazer maior volume de empregos e de consumo.

Estes índices são normalmente divididos em duas partes igualmente importantes, que medem, de um lado, a percepção dos agentes em relação à situação atual, e de outro, as expectativas desses mesmos agentes em relação ao futuro.

Confiança e pé no chão (200)

Como o indicador de confiança é dividido em duas grandes partes, chamadas de Índice da Situação Atual (ISA) e Índice de expectativa (IE), um ligado ao presente e outro ligado ao futuro, a junção dessas duas leituras pode ser influenciada tanto por uma como por outra.

Em outras palavras, quando olhamos o indicador agregado, podemos ver um número relativamente positivo, mesmo tendo uma situação caótica no presente. Isso pode acontecer porque os consumidores e empresários entendem que, apesar da situação no presente, as coisas devem melhorar no futuro próximo.

Vamos ver isso na prática.

Durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, os indicadores econômicos já nos davam claros sinais de que haveria uma profunda desaceleração da atividade econômica, o que jogava o indicador de situação atual para níveis muito baixos.

Enquanto isso, um eventual afastamento definitivo da ex-presidente era bem visto pelo mercado e diversos agentes econômicos, o que permitia um robusto aumento do índice de expectativa.

Ao fim e ao cabo, a economia demorou muito para deixar a condição de recessão e os indicadores de confiança, que haviam sido fortemente influenciados pela expectativa de que o impeachment mudaria a nossa economia para melhor, acabaram não se materializando.

A pandemia e o devir econômico (204)

A pandemia do novo coronavírus nos colocou em uma situação econômica tão delicada que nos fez crer que o futuro não seria muito pior do que temos assistido.

Esse desmantelamento da economia global associado à lamentável situação sanitária e social, fez com que os índices de expectativas (futuro) ficassem, na maioria das vezes, muito acima dos índices de situação atual (presente).

Dados da FGV mostram que de abril de 2020 a julho deste ano, o índice de expectativa ficou acima do índice de situação atual em 14 meses. Na média, a diferença entre os dois indicadores foi de 12,2 pontos.

De modo geral, portanto, a crença de que a situação futura da nossa economia será melhor que a situação presente, tem deixado os indicadores de confiança em um nível que nos parece demasiadamente otimista.

Antes de avançarmos é importante frisar duas coisas:

  • Apesar destes apontamentos, os indicadores de confiança são muito bons para medirmos a temperatura da nossa economia;
  • A intenção deste texto não é fazer uma leitura essencialmente pessimista sobre os contornos econômicos para o segundo semestre deste ano, ele apenas tenta transmitir que os indicadores de confiança podem nos passar uma percepção mais otimista do que de fato temos por vir.

Além do horizonte dos indicadores (253)

Se este não é um texto pessimista, por que apontar para o fato de que as expectativas em relação ao futuro da nossa economia podem estar muito melhores do que deveriam?

A resposta é simples. A própria FGV, referência nacional nos indicadores de confiança, mostrou no boletim de julho, que mesmo em relação às expectativas houve declínio quando olhamos para os consumidores de menor renda.

Se olharmos as respostas por faixa de renda, o maior avanço no indicador de julho veio do extrato social com maior rendimento.

Na passagem de junho para julho a confiança daqueles que recebem mais de R$9.600,00 por mês avançou 3,3%. Já a confiança daqueles que recebem até R$2.100,00 mensais variou negativamente em 2,4%. Pior que isso. A diferença entre esses dois grupos é de 21,5 pontos.

Esse abismo entre os grupos de renda, mostram que a retomada econômica pode ser profundamente desigual e, em consequência disso, mais difícil do que boa parte das estimativas atuais.

E essa literal frustração das expectativas pode diminuir o volume de divisas estrangeiras no país. Seja pela escassez de entrada de recursos estrangeiros, dada a opção dos investidores por países com retomadas mais sólidas, seja pelo aumento de saída destes recursos para ambientes mais propícios para a multiplicação do capital especulativo.

Não nos esqueçamos de que em dezembro, a taxa de juros real de curto prazo será negativa e que estaremos ainda mais próximos de eventos relevantes como o pleito eleitoral de 2022.

Veremos.

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