Dólar mais caro e o impacto na sua vida

Visão Geral

O brasileiro já se acostumou a ver o Real perder valor de forma abrupta, sobretudo de 2019 para cá. Não que isso também seja alguma novidade. Durante toda a história do Real iniciada no já longínquo ano de 1994, vimos movimentos agudos da moeda brasileira. 

Em 1999, depois que o governo decidiu alterar o regime cambial de fixo para flutuação administrada; em 2002, quando a eleição para presidente da República trouxe um clima de incerteza difícil de administrar; em 2008, durante a crise do subprime; em 2016, com mais instabilidades políticas que acabaram por afastar a chefe do poder executivo na ocasião; e agora, com a tempestade perfeita, crise econômica internacional, novo coronavírus e instabilidade política em âmbito doméstico. 

Pois bem, a gente já se acostumou a ver o preço do dólar saltar em poucas semanas, às vezes em dias, mas qual o impacto desses movimentos na nossa vida? O que, de fato muda para nós? Vamos ver o impacto do câmbio para além da cotação diária sobre as operações das grandes empresas e dos especuladores no mercado financeiro.

Acompanhe!

Turismo

Um dos impactos mais evidentes decorrentes da desvalorização da nossa moeda pode ser visto no setor de turismo. Com a moeda americana mais cara, o volume de viagens ao exterior diminui. Neste caso, como a desvalorização foi muito forte e muito rápida, esse volume diminuiu consideravelmente.

Segundo o Banco Central do Brasil, em fevereiro de 2020, as viagens pessoais e a negócios caíram ao menor nível desde 2016, na fase mais aguda da crise que passamos em 2015-2016.

Em fevereiro de 2020, os gastos com viagens pessoais somaram USD 642 milhões. Nos últimos 11 anos, só existem duas ocorrências mensais com valores inferiores a este.

O quadro, portanto, é bem grave. Mesmo considerando o mês de fevereiro, no qual as restrições decorrentes da propagação da Covid-19 ainda não eram tão relevantes aqui no Brasil. 

Essa valorização do dólar americano poderia ser boa de alguma forma para o Brasil. Se no começo de 2019, o brasileiro precisava de pouco mais de R$ 3,80 para comprar um dólar, o turista estrangeiro, que antes precisava de USD 0,26 para comprar um real, agora precisa de USD 0,19 dólares.

Então, a demanda por turismo doméstico irá aumentar? Infelizmente, não. Neste momento, as restrições impostas para tentar barrar o número de infecções farão com que a demanda caia próximo a zero. Os dados divulgados já apontam para operações aéreas 90% menor do que a média em condições normais.

Em fevereiro de 2020, por exemplo, os gastos de turistas estrangeiros no Brasil foram 15% menor que em janeiro e 6% menor se comparados com o mês de fevereiro de 2019. Cabe lembrar que os números que espelham a fase mais aguda de toda esta crise ainda estão por vir.

Consumo doméstico

Como se o setor de turismo não fosse o bastante, outros setores foram afetados pela alta do dólar. Sempre que a moeda americana se aprecia um pouco em relação ao real, chovem reportagens falando sobre o preço do pão. O aumento do dólar, curiosamente, faz subir o preço do famoso pão francês.

Se esse aumento de preços estivesse restrito ao pão francês, nós poderíamos ficar tranquilos. Bastaria substituí-lo por algum outro alimento e tudo certo. Entretanto, acontece que o aumento do dólar encarece o trigo no Brasil. Apesar de grande produtor, o Brasil importa a maior parte do trigo consumido internamente.

Do início de janeiro até a primeira semana de abril de 2020, o Brasil importou cerca de USD 7,1 milhões de trigo por dia útil. Portanto, uma desvalorização do real implica em mais inflação. Além do trigo, o país também importou até a primeira semana de abril cerca de USD 1,5 bilhão em alimentos e bebidas básicas e elaboradas para fim de consumo doméstico. Até os preços de bens de consumo semiduráveis, como vestuário e calçados, podem ser impactados.

Além disso, de forma mais contemporânea, o aumento do dólar deve impactar até o setor de serviços, até então, bastante imune às desvalorizações cambiais. Uma parcela importante de informação e lazer é adquirida em dólar. Aplicativos, jogos, músicas, assinaturas de revistas e jornais etc, tudo isso tem aumento imediato com a alta do dólar.

Cabe lembrar que o Brasil atravessa por uma momento econômico bastante delicado. Mesmo antes da chegada do novo coronavírus ao Brasil a economia já dava sinais claros de dificuldade de retomada, portanto, aumento do custo de importação não devem se traduzir, automaticamente, em aumento de preços no Brasil. Ao menos, não por ora.

Consumo industrial

Se os bens de consumo ficam mais caros para os brasileiros, os bens intermediários necessários para a produção de mercadorias aqui no Brasil ficam ainda mais caros para a “nossa” indústria. Nossa com aspas mesmo, afinal, a maior parte da indústria brasileira é composta por multinacionais, a exemplo do setor automobilístico.

Em 2020, considerando novamente até a primeira semana de abril, o Brasil importou aproximadamente USD 44 bilhões. Deste total, cerca de 59% foram bens intermediários. Todos eles com aumento de custos em função da situação do mercado de câmbio, diga-se de passagem.

É importante destacar que esses problemas vão além da questão de produção, eles impactam a nossa vida de forma indireta. O aumento demasiado do custo de produção tira a competitividade da nossa indústria. Com certa vulnerabilidade em função da competição externa, o nível de emprego diminui juntamente com o de consumo e isso se torna um ciclo vicioso difícil de contornar.

Prognóstico

Por enquanto, o aumento do dólar não tem se traduzido em aumento representativo do nível de preços doméstico. E isso está acontecendo em decorrência da fraqueza da demanda que, como destacamos, perdura há algum tempo.

O que temos visto nas últimas leituras dos indicadores de preços é um aumento moderado causado por especulação decorrente da quarentena imposta em algumas regiões do Brasil com produtos como álcool em gel e alguns alimentos, por exemplo.

Inclusive, parte da compressão dos custos será revertida com alguma valorização do real nos próximos dias. Dados que mostram uma redução relativa no número de mortes pelo Covid-19 na Europa têm trazido certo alívio para o mercado financeiro e de câmbio.

Mas ainda temos a parte mais aguda desta crise para enfrentar – a chamada “segunda onda”. Autoridades brasileiras falam em pico das infecções entre os meses de abril e maio de 2020. Além disso, teremos problemas com as contas públicas e problemas políticos – todos com enorme potencial de trazer mais volatilidade ao câmbio.

Um câmbio desvalorizado por muito tempo em um país na qual os sistemas político, econômico e social estão fragilizados pode causar efeitos fortes sobre o nível de preços, independente da força da demanda.

Veremos!

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