Autonomia do Banco Central, por André Galhardo

O Senado Federal aprovou o PLP 19/2019, que trata da autonomia do Banco Central, o texto foi encaminhado para a Câmara dos Deputados onde também será discutido e eventualmente aprovado.

Pela vantagem que o projeto teve no Senado a expectativa é que o mesmo passe sem maior esforço pela Câmara. O que muda, de fato, com a aprovação deste projeto? As mudanças são mesmo importantes ao país?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Mandatos intercalados com o Poder Executivo

Segundo matéria aprovada no Senado esta semana, o presidente do Banco Central e outros oito membros da diretoria colegiada serão escolhidos pelo Presidente da República. No caso do presidente do Banco Central, o seu mandato terá início no começo do terceiro ano de mandato do Presidente da República. 

Caso Roberto Campos Neto permaneça à frente da instituição, seu mandato abrangerá dois anos do governo do atual presidente e os dois primeiros anos do próximo mandato. 

Os demais membros da diretoria colegiada exercerão seus mandatos de forma escalonada, tendo cada um deles, a exemplo do próprio presidente do Banco Central, um mandato de quatro anos.

Dois diretores terão seus mandatos iniciados no primeiro ano do mandato do Presidente da República, dois deles iniciarão seus mandatos no início do segundo ano de mandato da presidência de República, outros dois no terceiro ano e os dois restantes no quarto ano.

O objetivo desta mudança é diminuir ao máximo as possíveis ingerências de membros do poder executivo e legislativo nos mandatos dos oito diretores e do presidente do Banco Central.

Além disso, estes nove diretores não poderão ser demitidos sem justa causa e sem que essa demissão seja votada no Plenário do Senado Federal. Cada um dos diretores, incluindo o presidente, poderão ser reconduzidos ao cargo em uma única oportunidade se essa for a indicação do Presidente da República.

O papel do Banco Central é somente o combate à inflação?

São muitas as atribuições do Banco Central do Brasil. Segundo a Lei nº 4.595/1964, instrumento legal que criou o Banco Central, são dezenas de incisos, alíneas e parágrafos que tratam destas atribuições.

No entanto, chama bastante atenção das pessoas e dos próprios Senadores e Deputados, a atribuição do Banco Central de zelar pelo valor da moeda nacional, ou seja, impedir que a inflação seja mais alta ou menor que o estabelecido pelo regime de metas de inflação (RMI).

Banco Central do Brasil, também conhecido por BC, BACEN e BCB.

Na verdade, compete ao Conselho Monetário Nacional (CMN), conforme disposto no inciso II do artigo 3º da Lei nº 4.595 de 1964, regular o valor interno da moeda, e o Banco Central dispõe de alguns dos instrumentos para que tal regulação possa ocorrer.

Durante muito tempo criticou-se a preocupação “exclusiva” do Banco Central em relação a inflação, ou seja, para muitos economistas a autoridade monetária brasileira deveria ir além, e granatir também o pleno uso dos recursos produtivos do país.

Achou difícil? É simples! Eu explico.

O principal instrumento de controle da inflação que o Banco Central dispõe é a taxa de juros. Segundo os manuais de macroeconomia, o aumento da taxa básica de juros pode desestimular o consumo e desencorajar os investimentos, com isso, a atividade econômica diminui e isso leva, teoricamente, a um ajuste de preços para baixo. Resumidamente é o mesmo que dizer: o aumento da taxa de juros tende a diminuir a inflação.

Acontece que, essa diminuição da inflação poderá ser acompanhada do aumento do desemprego e da queda generalizada da atividade econômica do país. Então, o controle da inflação pode causar outros problemas para a economia.

Diante deste fato, surgiram emendas de senadores neste sentido. Ao menos dois parlamentares propuseram a alteração do texto original e fizeram a inclusão do seguinte trecho:

  • “Art. 1º O Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços.
  • Parágrafo único. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.”

Apesar da ressalva de que a busca pela suavização dos ciclos econômicos não pode trazer prejuízo ao objetivo fundamental [de controle da inflação], o PLP 19 de 2019 traz temas importantes que vão além da questão amplamente discutida de autonomia.

Vem aumento da confiança por aí?

Alguns analistas apontam que o aumento da autonomia do banco aumentaria também a confiança que empresários e investidores têm na condução da política monetária e no controle da inflação, por exemplo.

A primeira coisa que temos a dizer sobre isso é que trata-se de uma verdade. A diminuição de potenciais ingerências políticas sobre as decisões do Banco Central podem significar maior compromisso com o regime de metas de inflação, e quanto a isso o mercado certamente se sentirá bastante contemplado.

Mas também é importante destacar que existe o outro lado da moeda. Esse aumento da autonomia também pode significar a perda relativa, por parte do Estado, de um importante instrumento de política econômica em momentos de crise.

Não é difícil achar publicações do atual presidente estadunidense “exigindo” que o Federal Reserve diminua a taxa básica de juros.

Vejamos. Se o projeto de autonomia do Bacen incluiu como atribuições do Banco Central a “suavização de ciclos econômicos”, quem é que decidirá o melhor momento de agir? O governo ou o próprio banco?

Diante da iminência de uma nova crise, o governo lança mão de uma política fiscal expansionista, ou seja, aumenta os gastos e investimentos do Estado com a finalidade de manter elevada a demanda agregada. Neste caso, quem fará esse ajuste entre política fiscal e política monetária?

Essa relativa desconexão entre o governo e o banco pode ocasionar dissonâncias no rol de políticas econômicas aplicáveis em um ambiente de crise e isso pode ser um elemento que faça diminuir a confiança em nossa economia. Lembrando que isso é uma hipótese apenas.

Impactos no câmbio

Desde 1964, quando da criação do Banco Central, já lhe era atribuída a tarefa de zelar pelo valor da moeda brasileira em relação às demais divisas estrangeiras.

O PLP aprovado essa semana no Senado Federal não trata de questões cambiais, portanto não haverá mudança significativa neste sentido.

O Banco Central também terá autonomia, como já possuía anteriormente, para definir a cotação do real em relação ao dólar, ao euro e demais moedas estrangeiras. Lembrando que o nosso regime cambial já é de flutuação administrada.

Regular o valor externo da moeda, como determina a lei de 1964, já era portanto um mecanismo exclusivo do Banco Central. Claro que neste ponto também existem ingerências do governo como, por exemplo, o aumento da dívida pública ou das alíquotas do IOF, mas essa é uma outra história.

Como ou sem autonomia do Bacen, quando falamos em controlar o valor da moeda brasileira no exterior fica aquela pergunta: “professor, você já combinou isso com os russos?”

Veremos.

Related posts

Mercado brasileiro aguarda dados sobre emprego

IGP-M avança 0,31% em abril

De Olho no Câmbio #274: PIB menor e inflação maior nos EUA dificultam o trabalho do Fed