Balanço de Pagamentos

André Galhardo - De Olho no Câmbio

Visão Geral

Em relatório divulgado no último dia 24, o Banco Central apontou que, pelo terceiro mês consecutivo, o Brasil havia registrado superávit na conta de transações correntes. Em outras palavras, em três ocorrências consecutivas, nosso país viu entrar mais dólares do que sair nas transações que envolvem o lado real da economia.

Por que isso aconteceu? Esse número representa, de fato, algo importante? Ou os superávits indicam, contraintuitivamente algum problema na economia brasileira?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Balanço de pagamentos

Eu não quero ser muito técnico, então explicarei de forma bastante resumida o que é balanço de pagamentos.Trata-se de um instrumento contábil que registra sistematicamente todas as transações econômicas feitas entre residentes e não-residentes de um país com o resto do mundo em um determinado período.

Quando o Brasil vende soja para alguma empresa chinesa ou compra algum componente eletrônico da Alemanha, a operação fica registrada no balanço de pagamentos. A primeira operação fica registrada como uma exportação, ou seja, que angaria recursos ao empresário exportador, e a segunda, como uma importação, onde há a necessidade de envio de recursos ao exterior.

Além das trocas de mercadorias, outros diversos tipos de transações são feitas diariamente como, por exemplo, o envio de recursos domésticos para a aquisição de ações em bolsas estrangeiras, o recebimento de recursos pelo envio de algum jogador brasileiro para o futebol espanhol, o recebimento de recursos estrangeiros para a compra de título públicos emitidos pelo Tesouro Nacional etc.

Como são muitas as possibilidades de relacionamento entre os residentes e não-residentes, o balanço de pagamentos é subdivididos por categorias: a conta de transações correntes é  onde ficam registrados os movimentos do mercado de bens e serviços e as contas de capital e financeira, são onde se registram os pagamentos e recebimentos ligados basicamente ao mercado financeiro e aos bens não-financeiros não-produzidos.

Conta de transações correntes

É na conta de transações correntes que ficam registradas as exportações e as importações, que perfazem o que chamamos de balança comercial. Além da troca de mercadorias entre residentes e não-residentes, na conta  de transações correntes ficam registradas também, a entrada e saída de recursos para a obtenção de serviços como, por exemplo, fretes e seguros para o despacho e recebimento das mercadorias em solo brasileiro.

Mais ainda, é na conta de transações correntes em que se registram o envio de lucros das empresas estrangeiras que atuam no Brasil às suas respectivas matrizes, ou seja, quando uma empresa estrangeira como o Carrefour obtém lucro no Brasil, ele pode enviar esse lucro diretamente para a matriz, na França, esse envio ficará registrado no balanço de pagamentos na conta de renda, uma subconta das transações correntes.

Os juros e dividendos de títulos públicos e ações obtidos por investidores não-residentes também ficam registrados na conta de rendas.

Conta capital e conta financeira

Na conta capital ficam registrados os negócios que envolvem bens não-financeiros e não-produzidos. Um exemplo deste tipo de bem pode ser o passe de jogadores de futebol. Ao vender algum jogador brasileiro para  exterior, os recursos obtidos por empresários, pelo clube de futebol e pela família do jogador ficarão registrados na conta capital.

Quando o Brasil compra algum jogador estrangeiro também há o registro, mas a conta capital contabilizará a saída de recursos para outro país. 

Na conta financeira, ficam registrada as entradas e saídas de recursos que envolvam a compra de ativos financeiros ou de investimento fixo.

A compra de ações, títulos públicos, debêntures e qualquer outro tipo de derivativo são registradas nesta conta. Os investimentos em ativos fixos são aqueles recursos que entraram ou saíram do Brasil com a finalidade de construir alguma coisa, comprar algum equipamento ou mesmo adquirir uma empresa domiciliada no país.

O superávit em transações correntes

Agora que você sabe sobre o balanço de pagamentos, chegou a hora de perguntar: o superávit visto na conta de transações correntes nos últimos três meses se trata de algum sinal positivo ou de melhora para a economia brasileira? A resposta é: Não!

Segundo o Banco Central, pelo menos três elementos condicionaram esse superávit na conta de transações correntes. O primeiro, diz respeito à diminuição da remessa de lucros de empresas multinacionais para as suas matrizes.

O segundo, está ligado à diminuição do volume de serviços contratados, entre os quais destacam-se a diminuição de viagens do residentes ao exterior e a diminuição dos contratos envolvendo transportes e seguros de mercadorias.

O terceiro envolve a diminuição do volume de exportações e de importações, ou seja, de modo geral, se estamos importando e exportando menos, temos de recorrer a menos serviços de transportes e de seguros. Além disso, a balança comercial tende a colaborar para esse superávit das transações correntes porque, diante da crise em que estamos diminui a intensidade de compra de produtos estrangeiros, permitindo superávits comerciais.

Afinal, o superávit é bom ou ruim?

Primeiramente é importante destacar que o superávit em si é ótimo. Ele permite ao país, caso haja necessidade, o acúmulo de reservas internacionais e isso nos deixa menos expostos a riscos internacionais de toda ordem.

A resposta aqui não está na pergunta se o superávit é bom ou não, mas na forma como ele foi construído.

Você pôde ver nos trechos acima que esse resultado contabilmente positivo foi construído às custas da diminuição da atividade econômica brasileira, ou seja, nós estamos construíndo um resultado positivo em função da forte desvalorização cambial, da diminuição do lucro de empresas estrangeiras domiciliadas no Brasil, além da diminuição do volume de produtos que estamos importando.

Apesar de sabemos que são condições muito diferentes, vamos a um exemplo. Os Estados Unidos têm déficits comerciais da ordem de USD 65 bilhões por mês e isso não significa “nada” aos americanos, ademais, os déficits na balança comercial são cobertos com superávits em outras contas do balanço de pagamentos.

De modo geral, infelizmente os superávits em transações correntes são fruto da crise em que nos encontramos

E o câmbio, afinal? (150)

O Brasil não está muito exposto a riscos que envolvam nossas obrigações internacionais. 

Nossas reservas estrangeiras estão em níveis confortáveis, apesar da maciça diminuição recente, e a nossa posição estrangeira é melhor hoje do que foi em outros momentos de crise.

Infelizmente, os movimentos vistos no balanço de pagamentos têm sido menos importantes ao câmbio que os movimentos políticos, ou seja, apesar dos superávits em transações correntes, isso não deve se traduzir em valorização da moeda brasileira em relação ao dólar, porque a moeda americana tem respondido mais aos estímulos vindos do relaxamento das condições de distanciamento social em nível global e dos desdobramentos políticos internos. 

O balanço de pagamentos é fruto do comportamento do câmbio e este último deve apresentar ainda forte volatilidade este ano, afinal, Brasil e Estados Unidos são o epicentro das novas infecções de covd-19, é ano de eleição nos Estados Unidos e a política doméstica brasileira vai de mal a pior.

Veremos.

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