Christine Lagarde e a atuação do BCE

Visão Geral (102)

Em audiência da Comissão dos Assuntos Econômicos e Monetários do Parlamento Europeu, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, falou um pouco sobre a atuação da autoridade monetária da Zona do Euro no âmbito da retomada econômica.

Além dos dados macroeconômicos, Lagarde falou também sobre os próximos passos para o enfrentamento da inflação que, pela primeira vez em muitos anos, parece ter chamado a atenção do banco.

Acompanhar os passos do BCE, do Federal Reserve (Fed) e do Banco Central do Brasil é de fundamental importância para entender os potenciais caminhos do câmbio e da inflação.

Acompanhe nossa análise a seguir.

A retomada econômica virá junto com a inflação, mas a primeira será maior (285)

A presidente do BCE, Christine Lagarde, iniciou a sua fala, feita por videoconferência em função da pandemia, falando um pouco sobre como o BCE vê a economia europeia neste término de semestre.

Lagarde chamou a atenção para o volume de pessoas totalmente vacinadas na Europa. São mais de 100 milhões! E da possibilidade que a imunização traz para o bloco europeu, uma vez que esse é um passo determinante para restaurar o setor mais importante da economia e o mais atingido pela pandemia, o setor de serviços.

A despeito das maiores economias do continente ainda estarem patinando no que diz respeito ao ritmo de imunização, Lagarde comemorou o estágio em que as economias europeias se encontram. Cabe lembrar apenas que, das quatro maiores economias da Zona do Euro, apenas Alemanha e Itália já imunizaram mais da metade da população, ainda assim, o percentual encontra-se marginalmente acima de 50%.

Lagarde falou ainda das pressões inflacionárias ocasionadas, sobretudo pelo choque de oferta, construído a partir dos impactos da pandemia e da retomada das duas maiores economias do mundo, China e Estados Unidos.

A presidente lembrou dos impactos indiretos que a recuperação da atividade econômica americana pode exercer sobre a economia europeia. De um lado, enquanto a inflação aumenta nos Estados Unidos isso pode aumentar a demanda por bens da Zona do Euro. De outro, a expectativa de inflação dos agentes europeus pode se conectar às expectativas de agentes norte-americanos, ocasionando um aumento de preços por expectativa na Europa.

Apesar de tudo isso, Lagarde disse acreditar que, a despeito da crença de que a inflação continue aumentando nos próximos 6 meses nos países membros da Zona do Euro, essa inflação tende a ser mais moderada que nos Estados Unidos, por exemplo.

Sem a política monetária o PIB da Zona do Euro cresceria em um ritmo 60% menor (282)

Apesar do aumento da inflação nos últimos meses, o BCE não avalia subir a taxa de juros neste momento, sobretudo por considerar que uma atuação menos expansionista da autoridade monetária seria prematura, haja vista o caráter temporário da inflação.

O BCE manterá as compras de ativos em um nível em que o próprio banco chama de “muito acomodatício”, ou seja, mantendo as condições monetárias muito favoráveis para a retomada da atividade econômica.

Sem o uso da política monetária excessivamente expansionista a inflação estaria em níveis muito menores, o que pode ser tão ruim quanto conviver com um nível mais elevado de inflação.

Apenas para se ter uma ideia do impacto das políticas monetárias sobre a atividade real, segundo estimativas do próprio BCE, o PIB da Zona do Euro deve avançar +4,6% em 2021, +4,7% em 2022 e +2,1% em 2023. Sem as medidas emergenciais adotadas no âmbito do enfrentamento da pandemia, o crescimento do PIB para este ano seria de apenas +1,8%.

Ao contrário do que possa parecer inicialmente, um crescimento muito menor da atividade econômica neste ano poderia contribuir com o aumento dos preços visto nos últimos meses. Isso aconteceria basicamente pelo agravamento do choque de oferta. Neste caso, uma política monetária contracionista (aumento dos juros) poderia ter efeitos totalmente divergentes daqueles esperados, baseados nos manuais de macroeconomia.

Tudo isso posto, não posso deixar de comentar que, apesar da enxurrada de recursos à disposição do sistema bancário europeu, o bloco mal consegue apresentar crescimento da atividade econômica desde que a crise do subprime e a crise da dívida dos países do sul europeu varreram suas economias.

Ainda assim, por enquanto, esse cenário é propositivo para o Brasil.

O que o Brasil tem com isso? (238)

Por se tratar de um país em desenvolvimento, a política monetária empreendida pelo Banco Central do Brasil segue à reboque das decisões vindas das principais autoridades monetárias, como o BCE e o Fed, autoridades monetárias da Europa e dos Estados Unidos, respectivamente.

Ver Christine Lagarde falar que, apesar da recente escalada dos preços, o entendimento do BCE é de que a inflação é apenas transitória, faz toda a diferença para o Brasil.

Enquanto o BCE e o Fed entenderem que o aumento dos preços aos produtores e consumidores é passageiro, a tendência é de que mantenham o atual receituário, ou seja, devem manter inalteradas as taxas de juros nominais, que hoje se encontram próximas de zero. 

Esse comportamento complacente com uma inflação de curto prazo mais elevada, permite ao Bacen “normalizar” a sua política monetária (aumentar os juros), sem sofrer a pressão do aumento dos juros na Europa e nos Estados Unidos.

Essa inércia dos bancos dos países desenvolvidos permitirá ao Brasil trazer o preço do dólar para patamares menos prejudiciais ao país, lembrando que as recentes valorizações são de fundamental importância para que eventuais desvalorizações decorrentes da corrida eleitoral no próximo ano não levem o dólar para além dos R$6,00.

A fala de Lagarde é como mais um fôlego aos bancos centrais dos países em desenvolvimento. É o indicativo de que ainda não é a hora de apertar os cintos. Pelo menos por enquanto!

Veremos.

André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor universitário nos cursos de Ciências Econômicas, Administração e Relações Internacionais. Coordenador do Grupo de Pesquisa DEPEC da UNIP. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público. Autor do livro “O Salto do Sapo: a difícil corrida brasileira rumo ao desenvolvimento econômico.”

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