Como a moeda desvalorizada tem afetado os negócios brasileiros, por André Galhardo

A moeda brasileira tem sido apontada de forma recorrente como a divisa com pior desempenho entre todos as moedas comparáveis do mundo.

O processo de forte desvalorização poderia servir como um importante estímulo à indústria nacional e uma importante ferramenta de aumento da competitividade dos nossos produtos, no entanto, o que temos acompanhado é que a balança tem pesado mais nos problemas que nas oportunidades.

De que forma o dólar mais caro pode ser aliado do Brasil e o que tem acontecido até aqui?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Balança comercial e corrente de comércio

Segundo dados do Ministério da Economia, o Brasil construiu até o final do mês de setembro, um superávit comercial de aproximadamente US$ 42,2 bilhões, volume 17% maior que o registrado no mesmo período do ano passado.

Se os saldos comerciais do último trimestre deste ano seguir a mesma trajetória que foi apresentada até o mês de setembro, estamos prestes a ver um dos maiores saldos comerciais de toda a série histórica do Ministério da Economia.

Se confirmado, um superávit comercial de US$ 58 bilhões, será o terceiro maior registro anual nominal da história brasileira.

Acontece que esse resultado comercial tem sido construído sobre bases não muito consistentes. De modo bastante resumido, é correto dizer que o superávit primário mais elevado visto nos últimos anos é reflexo da insuficiência de demanda doméstica.

Você leu mais acima que o resultado deste ano é 17% maior que o registrado no mesmo período do ano passado. Ao olhar mais detalhadamente é possível perceber que as exportações dos nove primeiros meses deste ano recuaram cerca de 7,7% na comparação com os nove primeiros meses do ano passado. Estamos exportando menos que em 2019.

Já que o volume de importações é 14,4% menor nos mesmos termos, nos foi permitido construir um resultado comercial sensivelmente melhor que no ano passado. Lembrando que as importações refletem, não apenas o encarecimento dos produtos importados, uma vez que a nossa moeda perdeu bastante valor desde o ano passado, mas também a crise que estamos enfrentando desde 2015.

A construção dos resultados comerciais deste ano é motivo de orgulho nacional, pelo menos até a segunda página.

Conta de transações correntes

No que diz respeito à conta de transações correntes, a moeda desvalorizada trouxe bons números ao país em 2020.

Para simplificar, enquanto a balança comercial registra todos os recursos financeiros enviados ou recebidos do exterior quando há troca de mercadorias entre residentes e não-residentes, a balança de transações correntes, agrega além dos números da balança comercial, os registros que envolvem o pagamento de serviços e de rendas enviadas e recebidas do exterior como, por exemplo, lucros, salários, juros etc. a balança comercial é, portanto, uma “subconta” da conta de transações correntes.

A conta de transações correntes, importante indicador do setor externo, tem registrado sucessivos superávits em 2020, o que não é muito comum ao Brasil, afinal, é nessa conta que ficam registrados, por exemplo, os lucros de multinacionais domiciliadas no Brasil enviados ao exterior.

Segundo o Banco Central do Brasil, no mês de setembro o Brasil registrou o sexto superávit mensal consecutivo nesta conta. Em doze meses encerrados em setembro deste ano, o déficit registrado foi de US$ 20,7 bilhões, abaixo dos US$ 47,9 bilhões registrados nos doze meses encerrados em setembro do ano passado.

De janeiro a setembro de 2020, a despeito dos sucessivos resultados positivos, o déficit acumulado foi de US$ 6,5 bilhões. Em 2019, o déficit acumulado nos nove primeiros meses do ano havia sido de US$ 36,7 bilhões.

A diminuição do déficit em transações correntes foi possibilitada pelo aumento dos resultados comerciais, pela diminuição dos serviços contratados como, por exemplo, viagens de brasileiros ao exterior, e pela diminuição do rendimento das empresas estrangeiras domiciliados no Brasil, por exemplo.

De maneira análoga ao resultado da balança comercial, uma parte da “melhora” dos dados externos tem sido possibilitada pela própria crise.

Conta financeira

Outra conta importante que registra saída e entrada de recursos financeiros no país é a conta financeira. E para essa outra conta o aumento do clima de incerteza prejudicou bastante o ingresso de recursos produtivos no país.

De forma bastante simplória seria correto imaginar que a desvalorização da moeda brasileira atrairia muito capital produtivo estrangeiro ao país, ademais, quando a nossa moeda está mais desvalorizada, os nossos produtos e empresas ficam relativamente mais baratos ao investidor estrangeiro.

Com relação à chegada deste tipo de capital ao país, não foi o que aconteceu, e são inúmeros os motivos dessa frustração.

O aumento do clima de incerteza global impediu que volumes maciços de investimentos produtivos migrassem ao Brasil, tal como aconteceu na crise de 2008, quando a crise do subprime atingiu forte e primeiramente as economias mais desenvolvidas, deixando a cargo dos países emergentes o papel de fazer reproduzir o capital especulativo e produtivo.

De janeiro a setembro de 2020 os investimentos produtivos que ingressaram no país somaram aproximadamente US$ 28,5 bilhões, abaixo dos US$ 52 bilhões registrados em 2019 ou dos cerca de US$ 78 bilhões registrados em 2011.

De modo geral, enquanto a conta de transações correntes têm “entregado” bons números, refletindo a falta de tração da atividade econômica nacional e a desvalorização da moeda brasileira, a conta financeira não tem registrado o mesmo movimento.

Impactos no câmbio

Desde o começo deste século o Brasil não tem encontrado dificuldade em relação às contas externas.

A entrada da China na Organização Mundial do Comércio, o aumento dos preços das commodities agrícolas e minerais no mercado internacional e o crescimento da economia nacional na primeira década dos anos 2000 permitiu ao país uma relativa tranquilidade quando o assunto é balanço de pagamentos.

Estamos observando o comportamento destas contas a partir do aumento do endividamento público, decorrente da pandemia, da sensível diminuição da taxa básica de juros e da maxidesvalorização cambial que experimentamos em 2020.

Apesar de relativo controle, pode haver uma mudança importante de direção quando o Banco Central entender que é hora de aumentar a taxa básica de juros, quando, e se, o dólar americano voltar a valer R$3,80 ~ R$ 4,00, ou quando os esforços do governo estiverem voltados para diminuir o impacto fiscal causado pela pandemia deste novo vírus.

Veremos.

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