“Cuidado com o câmbio”, por André Galhardo

Nesta semana, um estudo da Fundação Getúlio Vargas apresentou que o PIB brasileiro medido em dólares americanos nos colocaria em uma posição bastante desfavorável no ranking de maiores economias globais a partir deste ano.

O fato é notório e representa a decadência em que o país se encontra desde 2015. Condição que se intensificou no ambiente pandêmico.

Ocorre que, para além do recuo óbvio da nossa produção nos últimos anos, olhar o PIB pelo dólar pode nos passar uma impressão de decadência maior que aquela que de fato estamos atravessando.

Além disso, cair algumas posições no ranking global é o menor de todos os nossos problemas.

O governo brasileiro terá que se esforçar para criar um ambiente mais aprazível no que diz respeito ao mercado de câmbio. Dessa forma, podemos voltar ao patamar em que estávamos e na velocidade que saímos.

Acompanhe nossa análise a seguir.

A posição do Brasil no ranking das maiores economias

O próprio estudo da FGV mostra que o Brasil já havia chegado ao sétimo lugar no ranking das maiores economias. Esse fato aconteceu em 2011 e, de lá pra cá, muita coisa mudou.

Em 2011, antes dos problemas mais intensos com a dívida soberana de alguns membros da Zona do Euro, o Brasil surfava uma onda interessante. O preço do barril do petróleo havia ultrapassado os valores vistos antes da crise do subprime e, de modo geral, as demais commodities acompanharam o movimento de alta.

Na metade de 2011, a moeda americana chegou a ser cotada a R$ 1,54 e, naquele momento, existiam esforços do governo brasileiro para conter o avanço do valor do real e, portanto, impedir que o real se valorizasse ainda mais.

Foi naquele ano que alcançamos a mais alta posição no ranking das maiores economias globais.

De 2011 até aqui, nós quase fomos testemunhas da desintegração da Zona do Euro, quando Grécia, Itália, Espanha e Portugal se viram diante de uma dívida pública insustentável. Vimos a Rússia anexar a Criméia ao seu território e, a partir daí, mais precisamente em maio de 2014, o preço do barril do petróleo havia atingido a menor cotação em muitos anos.

Mas nem só a conjuntura econômica externa impactou nossa economia. É importante lembrar também da crise político-institucional brasileira vivida em 2015-2016, que culminou com o afastamento definitivo da ex-presidente brasileira. Naquele momento também pesou contra a moeda brasileira todos os desdobramentos e investigações que recaíram contra o presidente em exercício.

Superada a crise econômica de 2015-2016, novos capítulos de uma crise sem fim vieram à tona. Para uma parcela importante dos eleitores que foram às urnas em 2018, a alternância de poder traria, entre outras coisas, o poder da moeda brasileira de volta. Não foi o que aconteceu.

Em 2019, antes da pandemia, a moeda brasileira mostrou um crônico processo de desvalorizações, fruto da instabilidade política que permanece no ar até hoje.

O resultado de tantos desafios externos e domésticos? A perda relativa da importância econômica do Brasil em âmbito global.

Nossa moeda, nosso problema

Você deve ter percebido que uma parte importante da desvalorização da nossa moeda decorreu de eventos externos, logo, podemos intuir que estes problemas causaram  impactos também nos demais países da América Latina, África, Ásia etc.

Verdade. Em 2014, enquanto o rublo russo se desintegrou, a moeda brasileira perdeu “apenas” 10% do seu valor.

Naquela época, em 2015, em função da forte desvalorização rublo, a Rússia teve um problema com os preços ao consumidor, que subiram rapidamente. No Brasil não foi diferente, os preços ao consumidor também subiram rapidamente, por outros motivos, é verdade, mas subiram e fecharam o ano muito acima da meta de inflação.

Naquele ano, nós mostramos em um estudo que a Rússia conseguiu um relativo controle sobre a inflação gastando uma fração do que o Brasil havia gasto para fazer o mesmo movimento, ou seja, foi muito mais caro para o governo brasileiro contornar o problema da inflação.  

No Brasil, sob o argumento de que isso seria indispensável para o controle dos preços, a taxa de juros subiu rápida e fortemente, elevando bastante os dispêndios brasileiros com os rendimentos dos títulos públicos.

Pelo fato de o Brasil ter mantido a taxa básica de juros em patamares muito elevados por um período bastante prolongado, é comum que pessoas e empresas usem essa taxa brasileira para ganhos no mercado financeiro, em uma operação chamada carry trade.

Enquanto a taxa de juros permanecia extremamente elevada por aqui, criou-se um ambiente bastante profícuo para os capitais especulativos. O ingresso deste tipo de capital nos deixou a mercê da conjuntura econômica global e nacional.

Em resumo, ao menor sinal de crise no Brasil ou nos seus pares latino americanos, por exemplo, cria-se um movimento maciço de saída de recursos estrangeiros daqui para os países centrais. Essa fuga de capitais nos coloca em situação delicada e nos tira do top dez das maiores economias do mundo. 

Esse fluxo de moedas e a consequente volatilidade cambial às vezes nos custa mais caro que algumas posições em alguns rankings. Esse movimento pode significar, por exemplo, menos arroz da mesa do brasileiro. 

O verdadeiro problema

O que não se viu falar muito nesses últimos dias foi sobre o desempenho recente da economia brasileira.

Tudo bem, estamos caindo no ranking global, mas se isso é mero ajuste de moedas, por que é tão importante? Na verdade não é! Veja com quais problemas nós precisamos nos preocupar.

De janeiro de 2010 ao final do ano passado, a economia brasileira cresceu míseros 14%.

O uso da palavra “míseros” se faz necessário quando olhamos para o desempenho de demais países e regiões. No mesmo período a economia latino americana cresceu 23%, na África Subsaariana 41% e na China a economia mais que dobrou de tamanho.

Na última década, o crescimento da economia não esteve restrito apenas aos países e regiões menos desenvolvidas como a África e América Latina, por exemplo. De 2010 a 2019, os membros da OCDE cresceram 22% e os Estados Unidos viram sua economia aumentar em 25%. Até mesmo a Zona do Euro, envolta em problemas econômicos e políticos desde a crise do subprime, viu a sua economia expandir 15% nos últimos dez anos.

Os livros de história registram que a década de 1980 foi a década perdida aqui no Brasil  Essa alcunha surgiu em função do baixo crescimento associado ao processo de escalada da inflação.

A partir de agora, certamente a década que estamos deixando para trás tomará este posto. O crescimento médio da economia nos últimos dez anos foi de 0,7%, enquanto que na década de 1980 essa média foi de 1,7%.

Esse crescimento diminuto somado às fragilidades externas às quais o Brasil ainda se encontra submetido, deixa um legado muito ruim para as próximas gerações. 

Prognóstico

Em algum momento, o problema político estadunidense e a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus serão apenas matérias dos livros de história. De um jeito ou de outro, as pressões cambiais decorrentes das investidas de Donald Trump e dos recordes de novas infecções diárias nos Estados Unidos e Europa se desbotarão e não teremos que lidar com isso.

Alguma valorização da moeda brasileira nos próximos meses, caso ocorra, tratará de colocar o Brasil entre as dez maiores economias novamente.

Novas disputas políticas e econômicas globais exercerão força negativa sobre a maioria das economias, como tem acontecido em 2020, mas sofrerá mais aquela cuja moeda é maculada pelos movimentos do capital especulativo.

Os resultados desta condição vão além da colocação do Brasil em algum ordenamento global. Quando a fuga de capitais é aguda como foi em 2002 e 2019-2020, esse movimento pode se traduzir em problemas mais delicados como o aumento da pobreza.

Veremos.

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