Por que a retomada pode ser difícil?

André Galhardo - De Olho no Câmbio

Visão Geral

Muitas pessoas têm indagado, de forma exaustiva inclusive, sobre os caminhos que o Brasil deve tomar após o término da pandemia.

Os assuntos vão desde o tipo de empresa que deve conduzir o país de volta ao crescimento até o tipo de formato que a “curva” da retomada pode assumir. 

A retomada pode ser conduzida por empresas que ocupam-se da otimização dos processos produtivos, visando não só a eficiência energética em prol dos recursos financeiros das empresa, mas também em prol da preservação dos recursos naturais, a chamada retomada verde. 

A retomada também poderia ser conduzida pelas empresas de tecnologia, que surfariam a perceptível mudança no tipo de relacionamento profissional imposto pela pandemia.

Menos romântica, mas também possível, seria uma retomada via setor de bens de consumo não-duráveis.

E a forma como a retomada deve acontecer envolve as chamadas curvas, será uma curva em formato da letra “V”, ou seja, uma retomada robusta que anularia os impactos da recessão de modo bastante breve, uma curva na forma da letra “L” que mostra uma estabilidade em patamares mais baixos que os vistos antes da pandemia, enfim, sobram letra e argumentos, então vamos ver o porquê acreditamos que a retomada pode ser penosa para o Brasil.

Acompanhe nossa análise a seguir.

A degradação do mercado de trabalho

O primeiro fator contribuinte de uma possível retomada anêmica da atividade econômica vem do mercado de trabalho.

A despeito da melhora relativa no volume de desempregados no ano passado, ele ainda era elevado antes mesmo da pandemia ser anunciada. De modo geral, até mesmo parte da melhora do mercado de trabalho vista em 2019 pode ser atribuída ao avanço do número de pessoas no mercado informal.

No trimestre móvel encerrado em dezembro de 2019 a taxa de desemprego ficou em 11%, segundo dados do IBGE. No trimestre móvel encerrado em fevereiro a taxa havia avançado para 11,6% e, na leitura encerrada no mês de março a taxa já havia alcançado 12,2%, revertendo o relativo avanço visto desde maio de 2019.

Esse volume maior de pessoas desocupadas tem pressionado os salário para baixo.

O mecanismo é simples, quanto maior for o nível de desemprego, menor serão os salários disponíveis no mercado, de modo geral, caso você não aceite o salário oferecido pelo mercado, alguma outra pessoa aceitará. Simples assim!

No trimestre encerrado em junho a taxa de desemprego havia sido de 13,3%, maior percentual desde maio de 2017.

Com isso, ainda que alguns indicadores apontam algum processo de retomada nos meses de maio e junho, por exemplo, o índice de desemprego continua aumentando. Em um ritmo menor, mas aumentando.

As pessoas estão ganhando menos e esse é um movimento de longo prazo

Se mais desemprego é sinônimo de salário mais baixo, não precisa de muito para intuir que o volume de dinheiro, sob forma de salário tem diminuído de forma sistemática.

Segundo dados da PNAD contínua do mês de junho, a massa salarial (agregado macroeconômico que consiste no somatório de todos os salários brasileiros) havia atingido R$ 188,3 bilhões. Parece bastante, não é? Não!

Em junho do ano passado a massa salarial estava em torno de R$ 208,3 bilhões. Em um ano, houve uma compressão de aproximadamente 9,6% neste indicador que, segundo tendência, deve ficar sistematicamente baixo nos próximos meses.

O resultado de junho é o mais baixo desde outubro de 2017.

Diminuição do consumo e do investimento

Com o mercado de trabalho em franca deterioração e com o consequente impacto na massa salarial, é notória a dificuldade das empresas brasileiras, sobretudo as varejistas, e pior, as empresas de varejo de bens de consumo duráveis.

Segundo o IBGE, as vendas no comércio varejista aumentaram 8% no mês de junho, na comparação com o mês de maio. Esse avanço se deu depois de o indicador avançar mais de 14% em maio no mesmo tipo de leitura.

A despeito dos bons resultados nas últimas duas leituras, o volume de vendas do comércio varejista recuou 3,1% no primeiro semestre deste ano na comparação com igual período do ano passado. Em doze meses a variação é positiva em 0,1%.

O mesmo movimento de queda pode ser visto tantos nos setores de indústria, quanto no de serviços, de modo geral. Para estes dois últimos, a retomada, apesar de vigorosa para comparações mensais, se deram de forma mais comedida que no comércio varejista.

Aqui podemos entender que a injeção de quase R$ 100 bilhões em auxílio emergencial acabou por diminuir, de fato, um pouco do impacto da paralisação decorrente do novo coronavírus.

A armadilha do setor de serviços

Mais de 70% de tudo o que o Brasil produz, o chamado PIB, é proveniente do setor de serviços.

A dependência do setor de serviços não se configura em um problema imediato, no entanto, poderíamos discutir sobre a capacidade que o setor tem de criar empregos, salários elevados e um ciclo virtuoso de crescimento. Além disso, de forma mais contemporânea, a capacidade de criar as condições necessárias para que se olhe para a crise de maneira puramente retrospectiva após a chegada de uma vacina.

Ser “refém” do setor de serviços pode ser péssimo neste momento porque a demanda total por bens internos (inclui demanda externa) tende a subir mais rapidamente que a demanda interna por bens internos, ou seja, poderíamos pegar carona no crescimento chinês ou na retomada da economia europeia, mas, de modo geral, não é possível exportar serviços.

Com essa composição produtiva dependeremos da retomada das atividades domésticas para sobrepujar os efeitos da crise.

O governo poderia agir, mas…

Com o mercado de trabalho em situação bastante fragilizada, tanto em decorrência dos efeitos da pandemia, como também por uma questão estrutural, fica difícil imaginar uma retomada robusta e sustentável da economia. 

A demanda por bens e serviços têm diminuído à medida em que avançam as novas contaminações e determinações de distanciamento social. Essa diminuição no consumo inibe as contratações e os investimentos por parte das empresas, que faz sobrar ao Estado o papel de trabalhar como mantenedor da demanda agregada.

Neste sentido o Estado tem agido, e certamente o auxílio emergencial, que corresponderá a 7% do consumo total das famílias em um semestre, cumprirá com o seu papel de atuar contra a crise econômica.

Mas o rápido avanço da dívida em proporção do PIB, bem como o discurso da necessidade irrevogável de o governo cortar gastos tendem a dar breve perecibilidade aos mecanismos de atenuação da crise.

Menos lucros, menos valor no mercado financeiro, menos dólares

Apesar da vigorosa retomada do mercado financeiro brasileiro, em um país com dificuldades de crescimento no pós-pandemia, como pode vir a ser o caso brasileiro, as empresas ganham menos dinheiro e menos a atenção de investidores.

Se a perspectiva de crescimento se mantiver tímida como a que temos até aqui, é difícil imaginar o Brasil no radar dos investidores em um mundo onde a Europa, Estados Unidos e China voltaram ao jogo.

Sair do radar dos investidores estrangeiros será algo novo para o Brasil que registrou um dos maiores influxos de capital estrangeiro no início dos anos 2010.

Essa diminuição na entrada de recursos externos pode tornar a nossa taxa de câmbio persistentemente desvalorizada. Ainda que, pelo caminho, encontremos processos agudos de valorização da nossa moeda, estruturalmente a taxa tende a voltar para patamares em que a moeda brasileira é mais desvalorizada.

Veremos.

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