O ano de 2022 foi desafiador ao país e à moeda brasileira, mas os acontecimentos contribuem para relativo otimismo para 2023. Depois de começar o ano como uma das moedas mais fortes do mundo, o Real enfrentou muita volatilidade, em parte, em função do movimento de aumento de juros nos Estados Unidos e na Europa e, em parte, por conta das expectativas de que a Selic produzirá uma forte desaceleração da economia doméstica.
Agora, estamos diante de mais um ano de oportunidades de desafios e elevado grau de incerteza. Apesar disso, considerando os elementos que temos à nossa disposição neste momento, é possível fazer algumas projeções para a moeda brasileira.
Acompanhe a análise a seguir.
O cenário para o Real é benigno
Existem dois fatores importantes que rondam o mercado de câmbio neste encerramento de 2022 e contribuem para o relativo otimismo para 2023:
- Normalização da política monetária dos países desenvolvidos, sobretudo EUA ;
- Responsabilidade fiscal doméstica.
Em ambos os casos a situação é benigna ao país, considerando tudo o que passamos nos últimos anos. Mas são fatores cuja influência é evidente.
Em primeiro lugar, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) deve continuar aumentando os juros no primeiro trimestre de 2023. Mas, considerando o comportamento recente dos preços, os novos aumentos devem ser cada vez menores. Dificilmente a taxa ao final do ciclo ficará acima dos 5,50%.
Neste sentido, é claro que existem riscos elevados desta projeção do comportamento do Fed estar equivocada pelos seguintes motivos:
- A guerra na Ucrânia pode escalar para um conflito maior, com armas de destruição em massa;
- O aumento das contaminações por Covid-19 na China pode produzir novas cepas que escapem da imunização atual;
- E a inflação pode retomar a trajetória de elevação, considerando justamente os dois pontos acima e a ausência relativa da Rússia no mercado de hidrocarbonetos.
Tudo isso pode trazer mudanças relevantes na postura do Fed, na trajetória da inflação, da atividade econômica global e, claro, do câmbio.
No cenário doméstico, o contexto é positivo porque o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não terá muito tempo para mostrar aos investidores a que veio. Isso deve obrigá-lo a proceder de forma mais “austera” do que o mercado espera dele.
Uma política de preservação das contas públicas com esforço para produzir resultados primários positivos deve agradar os investidores e trazer menor volatilidade ao mercado de câmbio.
Em outras palavras, apesar do elevado grau de incerteza, a tendência de curto e médio prazo é de valorização da moeda brasileira.
O problema energético da Europa pode ser ainda pior e isso joga contra o otimismo para 2023
Antes do início dos aumentos de juros na Zona do Euro, a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, disse que não acreditava em crise em 2022 nem em 2023. Mas, parece que o jogo virou e agora ela disse que acredita.
É claro que as coisas na economia são muito dinâmicas e mesmo essas palavras aqui podem se mostrar incertas daqui a alguns meses. Coisas da vida. O problema é que Lagarde ignorou completamente os diversos indicadores não-oficiais que apontavam para um declínio da atividade econômica dentro do bloco do Euro.
Agora, a nossa expectativa, em linha com a nova expectativa da presidente do BCE, é que a Zona do Euro entre em recessão técnica (condição em que há dois recuos trimestrais consecutivos do PIB), já no primeiro trimestre de 2023.
Considerando os índices de gerentes de compras e dados vindos do varejo, indústria e serviços, não seria nenhuma surpresa se essa recessão se materializasse nos primeiros meses do ano que vem.
Além do movimento persistente de desaceleração da economia do bloco europeu, a Europa pode estar diante de um grave problema de suprimento de energia. Pasmem: pior do que esse já enfrentado ao longo de 2022.
Apesar de tudo, a Europa contou com o suprimento de gás russo ao longo de todo o primeiro semestre de 2022, condição que não deve se repetir em 2023, o que pode voltar a pressionar os indicadores de inflação e obrigar o BCE a operar uma política monetária ainda mais restritiva.
De modo geral, os desafios econômicos e geopolíticos dentro da Europa não devem favorecer o Euro em 2023. Bom para o Real e as demais moedas não-conversíveis.
No Reino Unido, a recessão já é quase uma realidade
As coisas já não iam muito bem no Reino Unido em função dos gargalos produtivos produzidos pela pandemia e, posteriormente, pela guerra no leste europeu. Daí, o ambiente político doméstico passou a jogar ainda mais lenha na fogueira da crise.
Sucessivos escândalos envolvendo o ex-primeiro-ministro, Boris Johnson, o afastaram do cargo e, em seu lugar, ascendeu Mary Elizabeth Truss, ou simplesmente Liz Truss.
A então nova primeira-ministra do Reino Unido, fã declarada da ex-primeira-ministra Margaret Thatcher, encontrou o país em situação delicada. A inflação era a mais alta em mais de 40 anos e diante de uma profunda crise que seria agravada por ela mesma.
Na tentativa de manter o poder de compra dos seus cidadãos, Truss decidiu criar um pacote de estímulo fiscal de bilhões de libras esterlinas para ajudar a pagar o aumento das contas de energia.
Mas os problemas no Reino Unido vem de outrora
Pouco antes da entrada de Truss como primeira-ministra, a Libra Esterlina já mostrava claros sinais de desgaste em relação ao Dólar norte-americano. Esse problema cambial se deu basicamente por conta da assimetria das políticas monetárias do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Em outras palavras, o Fed começou o aperto monetária muito antes do Bank of England (BoE) começar o seu ajuste e isso criou uma fuga de capitais em direção à América do Norte. A consequência foi a maior desvalorização da Libra de que se tem registro na história.
Quando Truss propôs o pacote fiscal, a situação ficou ainda mais problemática e a desvalorização da moeda local ganhou força, fazendo o BoE reverter parte do seu processo de normalização da política monetária.
A situação foi tão crítica e danosa às contas externas do Reino Unido que alguns analistas cogitaram até a hipótese de o Reino Unido ter que pedir socorro financeiro ao FMI.
Truss deixou o cargo apenas 45 dias depois de tê-lo assumido.
Perspectivas para o relativo otimismo para 2023
Em resumo, todas as variáveis elencadas contribuem para um cenário benigno para o Real à frente. Isso deve ocorrer muito mais em função da correção da deterioração que sucedeu ao quadro recessivo da pandemia do que por uma situação doméstica favorável.
Apesar disso, também é correto pensar, neste momento, que o governo de 2023 precisa emitir sinais de que o novo arcabouço fiscal jogará a favor do povo, mas também à favor da saúde das contas públicas. Caso contrário, teremos uma condição macroeconômica muito hostil ao próximo governo.
Neste sentido, é correto dizer que, apesar do elevado grau de incerteza, as condições políticas domésticas devem colaborar com o relativo otimismo para 2023 e a valorização da moeda brasileira.
Seguimos de olho!