Política fiscal e câmbio em meio à incerteza econômica

(Brasília - DF, 18/03/2020) Coletiva à Imprensa do Presidente da República, Jair Bolsonaro e Ministros de Estado. Foto: Carolina Antunes/PR

O Sars-Cov-2 chegou a pouco tempo no Brasil e, pelo andamento do número de infectados e mortos pela Covid-19 o futuro não é muito animador, mesmo com a política fiscal expansionista adotada pelos governos.

Segundo o Ministério da Saúde, até o dia 19 de marços 621 pessoas haviam sido infectadas no país. Um dia antes o número de  infectados havia sido de 428. O problema é ainda mais grave quando colocamos na conta os casos reportados pelas secretarias locais, mas que ainda não foram contabilizados pelo MInistério.

A maioria de nós já sabe que a situação é grave e que, apesar dos esforços, a situação será ainda mais dramática em alguns dias. E isso não diz respeito apenas à situação da saúde pública, muitas empresas encontrarão sérias dificuldades pelo caminho. Então, o que esperar da economia e do câmbio diante do avanço do vírus e como devem ser os dias, após o pico do surto aqui no Brasil?

Acompanhe!

O corte de juros é o caminho?

Diante do aumento do clima de incerteza e da cristalização de um ambiente econômico bastante hostil ao crescimento, o Banco Central do Brasil decidiu cortar a taxa básica de juros em 0,5%, de 4,25% para 3,75%. Essa ação da autoridade monetária brasileira é suficiente?

A primeira coisa que temos que destacar é que a inflação brasileira medida pelo IPCA apontava para o cumprimento da meta de inflação com folga em 2020, de modo que poderia fechar o ano abaixo dos 3%, portanto, com ou sem coronavírus, o mercado já aguardava por alguma ação do banco, ainda que na ata da sua última reunião tivesse ficado claro que o processo de flexibilização monetária havia chegado ao fim.

Contrariando os manuais macroeconômicos, o Banco Central optou em reduzir a taxa básica de juros para tentar diminuir a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar americano.

Menos inflação, mais atividade econômica, mais lucros para as empresas e, portanto, menor degradação do mercado financeiro culminaria em menor demanda por dólares de investidores da bolsa.

Cabe lembrar apenas que quase nada aconteceu depois de o banco reduzir a taxa básica de juro de 14,25% para 4,25%: os spreads bancários quase não caíram e a atividade econômica é quase que insuficiente para fazer o país avançar 1% ao ano.

A despeito das estimativas mais otimistas, antes da chegada do Sars-Cov-2, já esperávamos um crescimento perto do 1%, de novo. Agora a expectativa é de recessão.

O Federal Reserve fez dois cortes extraordinários na taxa de juros nos Estados Unidos, que estão em 0,25%. Imagem de Olga Lionart por Pixabay

E por fim, mas não menos importante, o Banco Central dos Estados Unidos (FED) cortou a taxa básica em 1,5% em duas oportunidades extraordinárias. A taxa básica de juro por lá é de 0,25%. Guardadas as devidas proporções, o privilégio de ter o dólar como moeda doméstica e a situação de cada país, o FED agiu de forma muito mais propositiva para tentar diminuir o impacto da crise.

Estado de calamidade e política fiscal

A aprovação do estado de calamidade ajudará o país no que diz respeito à política fiscal, ou seja, sua aprovação permite ao estado que se aumente os gastos de maneira sensível sem que haja penalidades por isso.

O estado de calamidade suspenderá a necessidade de cumprimento do resultado primário previsto nas peças orçamentárias. Esse ano a meta fiscal do governo é de R$ 124 bilhões de déficit.

Deste modo, o governo consegue agir diretamente na raíz do problema. Se a política monetária pode ter seus efeitos sobre a atividade econômica diminuídos, a política fiscal terá maior potência porque coloca dinheiro diretamente na mão de pessoas e empresas.

Evidentemente que podemos discutir o grau da potência da política, uma vez que o governo havia prometido, por exemplo, R$ 200,00 a cada cidadão que compuser o contingente do mercado de trabalho informal. É algo como R$ 7,6 bilhões em recursos federais. muito abaixo dos recursos de FGTS usados nos últimos anos, e insuficiente para trazer algum ‘conforto’ para aqueles que receberão. Vamos lembrar que a expectativa é que o país pare, literalmente, em alguns dias.

A política fiscal é mais recomendada que a política monetária neste momento, mas mesmo essa, diante de tal cenário, pode ter seus efeitos duramente reduzidos.

O que vem depois?

O que sabemos pela experiência que vem da China e da Europa é que mesmo com muitos esforços a situação ficará ainda mais crítica nos próximos dias. Tanto a política monetária quanto a política fiscal terão de ser revistas.

O ambiente de incerteza política deve se agravar ainda mais, tanto durante o aumento dos casos de coronavírus no Brasil quanto depois do pico das infecções, o que se espera, seja em maio deste ano.

Isso porque o presidente do Brasil minimizou os impactos do vírus no país e chamou de histeria as primeiras preocupações que se abateram por aqui. Agora, um dos filhos do presidente, na tentativa de criar mais uma cortina de fumaça entrou em atrito com a China, acusando o Partido Comunista Chinês de ter criado o vírus para obter vantagens econômicas.

Esse aumento de instabilidade política se soma ao aumento da dívida pública e do consequente aumento do prazo para que se chegue a resultados primários positivos no país. Atualmente a projeção indica 2026 como o ano em que finalmente o governo arrecadará mais do que gastará. Isto tudo deve trazer volatilidade no mercado financeiro e de câmbio, o que obrigará o governo a queimar parte das reservas internacionais.

Para tentar restabelecer sua imagem frente ao público, o governo talvez tenha que abrir mão de reformas importantes, que antes da crise do coronavírus estavam quase certas como aprovadas.

Perspectivas

A política monetária expansionista praticada pelo Banco Central foi apenas uma sinalização de que o Bacen está comprometido em combater os efeitos da crise. Seus efeitos práticos são profundamente questionáveis.

Espera-se que Estados Unidos e Europa deixem os momentos mais agudos de contaminação antes do Brasil. Isso tende a fazer com que, mesmo depois do pior momento das infeções no Brasil, haja fuga maciça de dólares do país.

A política fiscal pode ser, ao mesmo tempo, impotente em resolver os problemas de curto prazo, mas importante quando falamos de aumento da dívida pública. 

É importante destacar que este vos escreve é plenamente favorável à política fiscal expansionista e, portanto, ao aumento da dívida pública, neste momento é importante pensar em salvar vidas e ajudar no que for possível pessoas e empresas a passar pelo momento mais agudo da crise. No entanto, o mercado não verá com bons olhos o aumento do endividamento.

Em resumo, é degradação (necessária) das contas públicas, tendência de aumento do dólar e maior exposição a riscos externos com a diminuição das reservas internacionais.

Veremos!

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